quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Em construção


Uma contribuição do Jaime, sempre oportuno.
A escola está em obras...


ESCREVO PARA A ESCOLA E PARA UM FILHO

Meu filho, a Escola morreu ou está para nascer ...!?

Nela aprendia-se a ler, a escrever, o cálculo mental e uma porção de noções que nos exercitavam a memória e nos levavam a papaguear rios e linhas férreas, datas históricas sem fim, lugares e lugarejos desproporcionados num encaixe a fazer lembrar concursos de televisão ditos de cultura geral mas onde esta não entra, desfazados quer da escola quer da realidade, balofos de uma sabedoria de cordel onde não entra o critério.

Depois, a escola virou pretexto, estratégias, campo de batalha ou repartição tributária a afogar-se em papelada com destino certo, viveiro de desobidiências e deserções, enxovalho canalha e sala de exames, avaliações ininterruptas a eito e talhe de foice, sem professores nem alunos.

A escola poderia, poderá, no entanto, vir a ser outra coisa ...

Vir a ser uma Escola!

Lugar onde se olhe para um desenho e nele se veja mesmo e sem receio o que nele está e tanto medo se tem em ver que está;

Lugar onde se olhe ao que se escreve e que em vez de nos retermos obstinadamente na ortografia ou na correcção sintática se vá mais longe, se leia alto e se aperceba nas oralidades o que lá está sem temer o que lá esteja;

Lugar onde se conte, uma história ou uma operação matemática e que nos escondidos delas se leia tudo o que nelas não se vê;

Lugar onde um computador, cumprindo a sua função simplificadora de processos, se ganhe tempo para o demais, para o jogo ou para a brincadeira, para o desporto são e não afunilado no futebol, para o recreio e para o lazer;

Dando lugar à História, à experimentação científica e ao espírito interrogativo e inconformado, às humanidades, à Cultura e às Artes;

Lugar onde se aprenda o que é uma atitude musical ou ecológica onde razão e sentir se harmonizem, onde se cante e se vibre interiormente pela simples fruição musical;

Lugar à interacção no encadeado sempre imprevisto das dinâmicas de um grupo e onde se reforce a importância do exercício da cidadania;

Lugar às Causas e à importância do serviço, da generosidade, da entrega e da solidariedade;

Lugar e antes de mais ao indivíduo centro da sua razão de ser e que não é um número, com o qual se aprende como ensina também;

Não se ensina, aliás, sem estar disposto e sempre a aprender.

Lugar de Pedagogia!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Novembro de 2008

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Devagar



Aqui, ainda me estranho.
É a outra face de mim que continua oculta.
Nem a escola permite que seja de outra forma.
O que vejo, quando atravesso o portão e passo pelos corredores e recreios e sala de professores?
Caras tristes e cansadas dos colegas e amigas.
Papéis e mais papéis em cima das mesas.
Esclarecimentos e mais normas e mais abaixo-assinados e mais legislação afixada nas paredes.
Aulas de substituição e mais aulas de substituição.
Professoras que controlam a bicha dos alunos para a cantina!
Agitação mais agitação.
Insatisfação e insatisfação.
E cansaço.
Não vejo o entusiasmo de outrora.
Nem eu o tenho.
Invade-me uma sensação de enorme confusão e deixo-me ficar, a observar sem perceber.
É a minha componente não lectiva que me leva à escola, durante o dia.
Onde me sinto, relativamente, inútil.
À noite, com os adultos é diferente.
Há mais calma, mais vontade de aprender, mais solidariedade.
Mas sei que perdi o comboio e, dificilmente, o voltarei a apanhar.



Apontamento de Viagem


As janelas reflectem o fogo do poente
e flutua uma luz cínzea que chegou do mar.
Quer ficar dentro de mim o dia que agoniza
como se eu, ao fitá-lo, o pudesse salvar.

E quem há que me olhe e que possa salvar-me?
A luz tornou-se negra e apagou-se o mar.

Francisco Brines

sábado, 1 de novembro de 2008



Sim, Manuela Baptista

Os gregos falam Inglês.
Os gregos falam Francês.
Até falam castelhano e entendem qualquer coisinha de Português.
São bons comerciantes.
Lembram-se, sempre, que nos ganharam no penúltimo campeonato da Europa (será?)
São simpáticos.
A hospitalidade era uma das virtudes consagradas na PAIDEIA, ou seja, nas normas clássicas que orientavam a postura dos gregos na sua conduta de vida.
Também na Ilíada e Odisseia, essa virtude é, constantemente, realçada.
Deve estar inculcado na cultura deles.
E, de facto, os gregos são um povo hospitaleiro.
Tão hospitaleiro que, nos mercados ou lojinhas de rua, convidam os potenciais compradores a entrarem e acabarem o cigarro lá dentro!!!
Logo fornecem um cinzeiro e até um cigarro, se for preciso.
São agradáveis.
E o mar, a cor do mar...
Nesta fotografia, o que se vê são pedras no fundo da água transparente.
A proximidade dos deuses sente-se e quase vemos Poseidon a sair das águas, tal como o meu rapazinho David dizia ....

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Devagar, aqui, também...


Lamento.
Não estando, ainda, habituada a dois blogues...confundo-os.
Provavelmente porque não estou completamente tapada pela pintura com que tento cobrir-me.
E o David transferiu-se para aqui, sem que de tal me tivesse apercebido.

Hoje, deixei o cargo de Presidente da Assembleia do meu Agrupamento.
Não me disponibilizei como candidata a presidente do novo Conselho Geral Transitório.
Estou cansada e sem o entusiasmo necessário para desempenhar este tipo de cargos. Gostei, ao longo destes (talvez) nove anos em que me envolvi.
Hoje, essa pasta foi para novos colegas, também novos em idade.
Sempre fui crítica do eternizar-se nos cargos; gosto de actuar em conformidade com as opiniões que manifesto.
Portanto ... estou bem; sinto-me mais leve sem essa responsabilidade, agora.
Continuo lá, apenas como docente.
Sinto-me mais livre para dizer o que penso. Não que, antes, não o fizesse... mas, enfim, sempre era a presidente e convinha não ser o centro da ribalta e ser suficientemente isenta para que todos se pudessem manifestar.
Saio normalmente, como quem vai dar um passeio até ao mar.
Quero estar disponível, sem compromissos deste género, para responder sempre que o meu neto me chamar...
Quero tentar dar início ao Doutoramento.
Prometi ao David que o faria, quando a vida melhorasse, cá em casa.
A vida não melhorou e o meu filhote partiu, mas quero cumprir essa promessa que lhe fiz e que repeti ao Sérgio.
Vou devagar, também aqui.
Sempre empurrada pelo que aprendi com o David.
As mudanças têm sido muitas e penosas.
As aulas à noite agradam-me; não me agradam as reuniões intermináveis da quinta-feira para (supostamente) as preparar.
Os alunos da noite são empenhados, são simpáticos; agradam-me. Ajudam-me, nem eles imaginam quanto. Quantas vezes, me apetecia não sair de casa; ficar aqui, na outra casa...
Depois, empurram-me para fora e lá vou e acabo a sentir-me melhor com eles.
Precebem-me!
Os apoios individuais a alunos com dificuldades em aprender agradam-me; rapidamente me encaixo no perfil dos miúdos e a coisa vai sem "turbulência".
Do resto da agitação da escola mantenho-me mais ou menos do lado de fora.
Algumas situações são exageradas e não compreendo como se pode ficar "de rastos" com coisas que, agora, me parecem relativamente banais.
Nestes dois últimos anos de doença do David, a minha visão do mundo sofreu alterações substanciais.
Estou mais exigente e fria na forma como abordo e sinto as questões; estou, também, estranhamente, mais tolerante.
Como dizem os gregos "No pressing, no stressing".

segunda-feira, 27 de outubro de 2008



Há música africana, ao fundo.
São os mesmos ritmos de antes.
Mas são diferentes, agora.
São os caminhos de antes que continuo a percorrer. Sem o destino de antes; sem o propósito de antes.
A escola está ali, à minha espera; com os mesmos funcionários que me sorriem quando chego ou quando passo.
É a mesma escola de antes.
Vejo-a diferente, agora.
São os mesmos funcionários de antes.
Os alunos, os mesmos ou novos, são sempre os alunos de antes; sentados nas mesmas cadeiras, entrando e saindo ao toque da campainha de antes...
Os meus colegas são os mesmos de antes, amigos como foram antes; as conversas versam temas de antes.
Há um ruído de fundo que me impede de me concentrar.
A minha energia de antes desapareceu; esfumou-se com a partida do David.
Não me reconheço nos caminhos; não me revejo nas conversas da escola; não sei se retribuo do mesmo modo os cumprimentos dos funcionários quando passo por eles; não ouço com a atenção de antes tudo o que os alunos me querem dizer.
Só a presença física se mantém, mais ou menos como antes.
Por dentro, não há vestígios da vontade e da energia de antes.
Vivo no presente mas é no antes que me abrigo.
Em busca de algo definitivamente perdido.
Que dói, como doía antes; ou mais ... porque tinha esperança.
Ainda não me retirei do palco onde vivi; ainda não cheguei aqui.
Aqui é um ponto sombrio.
Que me recuso a aceitar.
Vivo aqui, sonambulamente, pesadamente, com lágrimas ocultas à força de muito penar.
Engulo-as, por aí, até chegar aqui, onde há restos da vida de antes.
Onde posso escrever o nome David.
Que não existes, já...eu sei.
Mas preciso de mais um bocadinho para acreditar.
E ganhar energia para continuar...
Embora não saiba para onde ou para quê.
Pois se é tudo tão sem sentido!
Tudo tão sem nexo!
Tudo tão...sem o David...



Não é música

Não é música o que ouvimos.

Não é de água este brilho de prata.


Eu estou aqui sobre as pontes do rio.

Outros são os que espreitam pela bruma das margens.


Talvez me lembre:

tu vinhas devagar pelo lado das acácias.

Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um

deus cruel, o saber dos templos.


Não é um salmo o que ouvimos.

Não é de harpas este lamento,

não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,

não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.


Algures te ocultas e não deixas sinais.

Quem és tu

cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos

confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem

as sendas e as sombras,

onde correm as nuvens, as pedras, as águas.


Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.

José Agostinho Baptista (1948)

sábado, 25 de outubro de 2008

Reflectir, vale a pena.

A propósito do módulo "Cidadania" e da educação de adultos.



As Liberdades Essenciais

As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica.
Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado.
Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis.
Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros.
No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo, nenhuma propriedade.
A tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Primeira visita



Isabel

Querida Amiga,

Ontem, apenas depois de Lhe enviar o mail E A Vida Continua e após um alerta que recebi para o Seu novo blogue Pintada de Fresco dele me dei conta e tentei nele introduzir um comentário, o mail referido atrás mas não consegui inscrever-me com sucesso nem postá-lo junto com a Sua primeiríssima página de arranque.

Já tive ocasião de Lhe escrever que nestas coisas da net também eu sou um iniciado e nalgumas delas, completamente iliterato!

Adorei ver as coleguinhas, desculpe-me o à vontade mas também eu sei o que isso é, no cantinho do castigo a prevaricar ansiosas de um fumaço e quando cantinho não há outro, pois então, à porta da escola, seria (!?), na legitimidade do acto e à frente de todos pois que se legítimo ele é, todos a ele ficam expostos já que a vida, lição maior, é também a exposição e a assumpção dos riscos no irremediável, incontornável confronto com eles!

Também no incontornável da assumpção das nossas fraquezas pois que de super-homens, homens e mulheres, está o inferno cheio!!

Olhe, minha Amiga, logo aqui, que matéria densa, complexa, de reflexão pedagógica!!!

Se alguma ironia há naquilo que escrevo, ela resulta, não só da cumplicidade que Convosco, do acto, partilho mas ela esconde, de facto, matéria riquíssima de reflexão, num tempo de fobias fundamentalísticas que por vezes roçam a paranóia pura e simples ...

Quereis fazer da humanidade, óh laicos purificadores (!!!), uma espécie sem vícios e sem prazer, na ante-câmara de um paraíso terráqueo!?

Deixando à porta, da escola e tomasse-se esta pelo paraíso (!?), os conspurcados do tabaco!??

Ali, apontados a dedo e de castigo, olhados de viés e desconfiadamente!???

Onde vai o tempo em que se fumava o cachimbo da paz?

Como nos poluem a ansiedade e o stress sem ver neles uma correlação com essa doentia ânsia de purificação?

Onde está a Paz?

Começou muito bem, minha querida Amiga, nesta nova fase pintada de fresco!

Eu é que, incapaz de aceder à Sua caixa de comentários, acabo de decidir continuar a escrever-Lhe assim, em diálogo íntimo Consigo, com Sua irmã e minha mulher, deixando ao Seu alto critério a decisão do que fazer com os meus textos.

Desculpe-me!

Apresente, da minha parte, os meus respeitos a todas a que registadas foram na fotografia, às ausentes também, a Sua irmã e por maioria de razão a Si própria.

Disponha sempre, Seu

Jaime Latino Ferreira

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Não é uma nova casa...


À porta da escola, a 2ª a contar da esquerda.

Não é uma nova casa, apenas foi pintada de fresco.
Lá dentro continua a Isabel Venâncio e a sua Casa da Venância, porque é lá que vai ganhar a força necessária para avançar e percorrer cada dia a dia.
Não quero misturar a professora com a mãe daquela casa.
São a mesma, exteriormente, mas, no tal "lá dentro", tudo se passa de forma diversa.
Digamos que somos obrigadas a conviver - mãe e professora.
Será mais saudável para mim não misturar sentimentos ou visões do mundo.
Por hoje, chega.
A pintura não está terminada.
Isabel Venâncio