quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Vou devagar



Quinta à noite.
E termina mais uma semana de aulas.
E respiro mais fundo.
.....
A escola deixou de ser a minha segunda pele.
Sinto que o meu tempo, ali, terminou...
Nem eu conheço toda a gente; nem toda a toda me conhece.
Como acontecia. Como sempre aconteceu...
Foram dois anos de cegueira face à escola.
Ia lá; trabalhei; cumpria o meu dever...não faltei quase nunca.
Arrastava-me para lá...apenas.
Havia o David.
Só o David contava.
Foram 34 anos de entusiasmo, de alegria mesmo, de investimento naquela minha gente pequena.
Sempre tive o condão de me "apaixonar" pelos meus alunos.
E recebia a dobrar.
Foi boa, muito boa, a minha vida de professora.
Agora, gosto dos meus alunos. São quem dá algum sentido à minha vida profissional.
Sinto-me acarinhada por eles.
Sinto-me acarinhada pelos meus colegas.
A Clementina, coordenadora dos cursos da noite, tem paciência comigo... e com algumas ausências da minha cabeça.
Às vezes, estou longe, longe, nas reuniões de 5ª feira.
Às vezes, assalta-me uma vontade enorme de chorar.
Que vida é esta, que, nem sempre reconheço?
O fogo apagou-se.



Não fiz o que me impus.
Falta de ânimo... de motivação?
Resumo, hoje, o resto das aulas da semana.
Na 4ª feira, dei aulas das 19h às 23h, a duas turmas - EFA4 e EFA7.
Na 5ª, hoje, apenas à EFA4.



Na EFA4 - módulo CIDADANIA - fizeram um teste.
Foi um teste sui generis. Pedira ao alunos, na última aula, que elaborassem, eles próprios (anonimamente), seis perguntas pertinentes e significativas, sobre a matéria abordada e trabalhada nas aulas - Totalitarismo vs Democracia; Portugal antes e depois do 25 de Abril; "Números de Pobreza" no mundo; conceito de Cidadania e Constituição; União Europeia
Eu faria a selecção das perguntas a colocar no teste, para que não houvesse repetições.
Teste com possibilidade de consulta de todos os apontamentos e textos distribuídos.
Expliquei-lhes que seriam eles, colectivamente, a corrigir o teste.
Também lhes pedi que estabelecessem os critérios de correcção que eu devia seguir.
Claro que lhes expliquei ao que me referia, concretamente, quando falava de critérios.
Acordámos 3 critérios.
1º - Certo ou errado quanto ao conteúdo.
2º - Resposta completa ou incompleta.
3º - Correcção sintáctica e ortográfica.
São os que vou seguir.

Hoje, fizemos, então, a correcção colectiva. Já tinham ido verificar qual a resposta correcta.
Foi só escrever, correctamente, a resposta no quadro.
Gostaram.
Disseram-me que tinham apreciado este trabalho, porque não lhes dava a "papinha" feita e os tinha obrigado a pensar, pesquisar e reflectir.
Gostam de desafios.
Também gostei de inovar.
O teste foi apenas um pretexto...para consolidarem o que trabalhámos.
São adultos que trabalham todo o dia e vêm, à noite, com frio e antes de estarem com filhos e família, para a escola fria e desconfortável, porque querem saber mais.
Merecem toda a minha consideração.
Para amenizar o desconforto deste Inverno frio, transporto comigo numa saca a tira-colo, de sala para sala, um aquecedor/ventilador.
Já há seguidores desta minha iniciativa. É que sou muito, muito friorenta.
A EFA4 é uma turma muito dinâmica. Muito heterogénea. Muito interessada por tudo o que lhes possa dizer ou ensinar.
São pessoas alegres e felizes.

Na próxima semana, vamos planificar uma nova temática.
Meio ambiente. Direitos do consumidor. Carta da Terra e sua sustentabilidade. Será decidido em conjunto.
Mais tarde, a partir de Fevereiro, teremos que nos debruçar sobre a questão - Envelhecer com qualidade.
São do curso de Geriatria. E este é o tema de vida delas; espera-se da minha disciplina alguma contribuição.
Deram-me total liberdade na forma como colaborar.
O trabalho final está a cargo da mediadora.
Aceito todas as colaborações e sugestões dos meus amigos de blog.
Até aceito candidatos a uma palestra acessível sobre o tema.
Seria interessante.
Talvez a minha irmã...



Quanto à turma EFA7, na aula de ontem, continuámos a contar algumas histórias.
Esta actividade foi pretexto para falarmos da entoação, dos gestos, da expressão facial, do entusiasmo.
Tudo condimentos para que cada história surta efeito e cative os pequenitos.
Foi também pretexto para analisarmos alguns documentos do ministério, no que diz respeito aos objectivos do ensino pré-escolar.
Neste "capítulo", foi-me muito útil a ajuda vinda de Cascais, da Manuela Baptista, quando me mandou alguns sites. Simples mas eficaz.
São engraçados os alunos desta turma.
Colocam as carteiras encostadinhas à volta da secretária da professora.
E estamos bem, assim - eu, a Felismina (auxiliar numa instituição de apoio a autistas), a Rosa (cozinheira num restaurante), a jovem Diana (com profissão - filha), o Ruben (empregado numa empresa de painéis de aquecimento solar e jovem namorado da jovem Diana), a Lurdes (empregada de hotelaria no restaurante da FEUP), a Maria da Luz (mãe, avó, jovem de espírito, amante de poesia).
Desistiram alguns do ano passado para este porque arranjaram emprego.
Essa é a prioridade e eu compreendo.
Somos pouquinhos...
Mas que interessa a quantidade?

Um destes dias, teremos que nos debruçar sobre a importância da educação parental no comportamento dos filhos.
É o tema de vida desta turma.
Tal como na EFA7, deram-me liberdade na escolha da minha colaboração.
Também, aqui, mais ajudas serão bem-vindas.
Sites, fotografias, palestras...
E aqui me quedo.
Esta noite, encerro a semana.

4 comentários:

Anónimo disse...

ENVELHECER COM QUALIDADE

( Contributo reflexivo )

Um dos dramas na abordagem da geriatria tem a ver com o facto de que quem a aborda ainda não passou por lá.

Já todos fomos jovens e crianças mas os mais velhos, como lhes gosto de chamar e não idade não sei quê (...!), ainda nenhum de nós o foi!

Gosto de Lhes chamar os mais velhos não só porque há sempre pessoas mais velhas como porque ser-se o mais velho implica também com ser-se mais sabedor, portador de uma sabedoria acumulada que apenas a longevidade traz e em relação à qual não é possível queimarem-se etapas ...

Ou se tem e é o tempo que a traz ou não se tem porque o tempo ainda não foi o suficiente e a própria idade biológica ainda a ela não nos permite aceder.

Incomoda-me sempre e até à medula, ver os mais velhos a serem tratados como crianças, como se não bastasse já o incómodo de ver as crianças a serem tratadas como indivíduos de inteligência duvidosa!

Logo essa forma de tratar, embora não devidamente calculada, revela, isso sim (!), a nossa impotência em lidar com o desconhecido naquele sentido em que ainda não foi, por nós, vivenciado.

Mas essa impotência, calculo e de que maneira, como cairá entre aqueles que poderiam ser nossos pais, avós ou bisavós, eles que são um manancial de História viva com que tão desastradamente convivemos para não dizer pior!?

E, em que medida, essa forma de lidar com os mais velhos, não constitui logo um obstáculo à comunicação que involuntariamente os conduz a um fechamento, a um ainda mais abrupto corte com o que os prende à vida, não bastara já o isolamento a que são obrigados e logo porque os seus contemporâneos lhes vão, progressivamente, faltando e para não falar já dos contextos a que, estando ligados e por força das circunstâncias, deles são, tantas vezes, tão violentamente retirados.

Imagine qualquer um de nós, de súbito, se sentir olhado como débil ou descartável e quartado do seu contexto e como é que cada um de nós reagiria?

E que reacções em cadeia não se desencadearão na saúde psico-somática e tanto mais aceleradas quanto mais as forças físicas nos forem faltando?

É, já agora, muito fácil catalogar este ou aquele como sofrendo de uma síndrome disto ou daquilo, até porque, escudados nessas doenças atribuíveis à velhice e que não duvido que existam (!), logo nos desculpamos da nossa própria impotência em com ela sabermos lidar.

Todos caminhamos para lá, é bom não o esquecermos!

Em sabedoria, por exemplo, os mais velhos têm muito para nos dar ...

Os mais velhos não se podem, tão pouco, reduzir a um estado clínico, não!

Quando assim é, não é preciso ser-se um mais velho para sabermos que se deixa, pura e simplesmente, de Ser.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Janeiro de 2009

Ana Cristina disse...

Gostaria muito de conhecer os teus alunos e conversar com eles com palavras simples seja qual fôr o tema para o qual me desafiares.

"Envelhecer com qualidade", parece-me bem (!!!??) e se quiseres podes agendar a conversa que eu lá estarei à hora que marcares.

Será que estou a envelhecer com qualidade?

Beijinhos.Nini.

Ana Cristina disse...

Jaime

Independentemente dos estados específicos em termos clínicos associados ao envelhecimento, como trataremos esta questão do "envelhecer com qualidade" se formos capazes de viver com qualidade e tivermos consciência de que envelhecemos todos os dias?

Afinal, o que é envelhecer?
E de que qualidade falamos?

1 abraço.
Nini

Anónimo disse...

Ana Cristina,

Ora bem!

De que qualidade falamos?

Viver com qualidade e admitindo estarem garantidos os meios básicos de sobrevivência o que, como sabe, querida Nini, quantas vezes não acontece (!), tem, preenchido este pressuposto básico, muito mais a ver com a natureza do relacionamento humano do que com outra coisa qualquer!

Por exemplo, e para nos situarmos aqui, na capacidade de entabular um diálogo profundo e sem evasivas que enraíze, verdadeiramente, os laços que nos unem, com frontalidade, rectidão e seguramente com afecto, esse registo incontornável que à própria razão a preside.

E não perdermos o ideal nem o espírito interrogativo, crítico sem o qual nos deixamos anestesiar num sonambulismo que somado às também incontornáveis contrariedades da vida, nos vão desligando, insensibilisando também.

Envelhecer, aliás, é viver!

Envelhecemos desde que somos concebidos ...

Agora, há é maneiras e maneiras de olhar para esse imparável processo!

Se o olharmos como um progressivo fechamento, definhamento que os indesmentíveis sinais físicos exteriores não nos deixam desmentir, então tendemos a ser esmagados por eles.

Mas se o olharmos, ao envelhecimento, de uma perspectiva interior de acumulação de conhecimentos e mais do que isso, de sabedoria, ou seja, da capacidade de a esses conhecimentos os conseguir interligar num processo criterioso que só pelo envelhecimento somos capazes de desenvolver e é a isso que chamo sabedoria (!), então esse processo pode tornar-se e até determinados limites que não estão, exclusivamente, nas nossas mãos, pode tornar-se, dizia, num acumular de luz infindável e desculpe-me a metáfora.

Pode tornar-se numa viagem deslumbrante!

Até quando e até onde!?

Como o disse, isso não está, exclusivamente, nas nossas mãos.

Está também nas mãos daqueles que nos rodeiam e na maneira como nos tratam, sendo certo que da maneira como aos outros os tratemos assim também recebemos, dos nossos, na mesma moeda.

Mas mesmo se os outros não correspondem como julgamos que deveriam, está nas nossas mãos e na nossa capacidade de resistência crítica, persistir e prosseguir ...

Se todos envelhecemos e estamos sempre a morrer e a renascer num combate desigual onde a vida vai definhando, a qualidade, em última instância, somos nós, individualmente, que a imprimimos e tem pouco a ver com a acumulação não criteriosa de bens materiais.

Fui claro!?

Um beijinho,

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Janeiro de 2009