segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Há música africana, ao fundo.
São os mesmos ritmos de antes.
Mas são diferentes, agora.
São os caminhos de antes que continuo a percorrer. Sem o destino de antes; sem o propósito de antes.
A escola está ali, à minha espera; com os mesmos funcionários que me sorriem quando chego ou quando passo.
É a mesma escola de antes.
Vejo-a diferente, agora.
São os mesmos funcionários de antes.
Os alunos, os mesmos ou novos, são sempre os alunos de antes; sentados nas mesmas cadeiras, entrando e saindo ao toque da campainha de antes...
Os meus colegas são os mesmos de antes, amigos como foram antes; as conversas versam temas de antes.
Há um ruído de fundo que me impede de me concentrar.
A minha energia de antes desapareceu; esfumou-se com a partida do David.
Não me reconheço nos caminhos; não me revejo nas conversas da escola; não sei se retribuo do mesmo modo os cumprimentos dos funcionários quando passo por eles; não ouço com a atenção de antes tudo o que os alunos me querem dizer.
Só a presença física se mantém, mais ou menos como antes.
Por dentro, não há vestígios da vontade e da energia de antes.
Vivo no presente mas é no antes que me abrigo.
Em busca de algo definitivamente perdido.
Que dói, como doía antes; ou mais ... porque tinha esperança.
Ainda não me retirei do palco onde vivi; ainda não cheguei aqui.
Aqui é um ponto sombrio.
Que me recuso a aceitar.
Vivo aqui, sonambulamente, pesadamente, com lágrimas ocultas à força de muito penar.
Engulo-as, por aí, até chegar aqui, onde há restos da vida de antes.
Onde posso escrever o nome David.
Que não existes, já...eu sei.
Mas preciso de mais um bocadinho para acreditar.
E ganhar energia para continuar...
Embora não saiba para onde ou para quê.
Pois se é tudo tão sem sentido!
Tudo tão sem nexo!
Tudo tão...sem o David...
Não é música
Não é música o que ouvimos.
Não é de água este brilho de prata.
Eu estou aqui sobre as pontes do rio.
Outros são os que espreitam pela bruma das margens.
Talvez me lembre:
tu vinhas devagar pelo lado das acácias.
Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um
deus cruel, o saber dos templos.
Não é um salmo o que ouvimos.
Não é de harpas este lamento,
não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,
não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.
Algures te ocultas e não deixas sinais.
Quem és tu
cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos
confins da tarde?
Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem
as sendas e as sombras,
onde correm as nuvens, as pedras, as águas.
Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.
José Agostinho Baptista (1948)
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1 comentário:
BEM ME QUER
Bem me quer
Ou malmequer
Mal me não quer nesta hora
Em que o bem não vai embora
-.-
É a flor deste meu ser
Vontade do meu querer
Levo tudo o que em mim chora
Indo eu pela estrada fora
-.-
Pétala do meu saber
Arrancada a sofrer
É o sangue que em mim cora
É minha vida uma nora
-.-
Malmequer
Ou bem me quer
O mal quer que vá embora
Fique o bem na minha hora
-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Outubro de 2008
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